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Ana Carolina Souza

A mulher multitarefa e o mito da super heroína.

“Homens só conseguem fazer uma coisa de cada vez, diferente das mulheres que são naturalmente multitarefas.”

A frase acima representa o que chamamos de neuromito, algo que é supostamente embasado pela neurociência, porém, não tem qualquer comprovação científica real. Hoje já sabemos que a grande maioria da população, homens e mulheres, não são de fato multitarefa.


A diferença que existe no processamento atencional de homens e mulheres diz respeito não à habilidade de realizar tarefas simultaneamente, mas, sim, a uma velocidade maior em realizar o que chamamos de switch atencional, a capacidade de mudar o foco de atenção de um estímulo para outro. |


Ainda assim, esta diferença não é uma regra, ou seja, não é só porque você é mulher que será melhor nisso. Tampouco podemos associar esta diferença a uma questão genética, uma vez que somos influenciados desde que nascemos por aspectos sociais e culturais que moldam o funcionamento do cérebro e, com isso, as nossas habilidades.


Em outras palavras, quando acreditamos que as mulheres são capazes de realizar diferentes tarefas ao mesmo tempo “naturalmente”, na prática estimulamos mais este grupo a adotar este tipo de comportamento e isso por si só pode servir como uma espécie de “treinamento” para o controle do foco atencional, o que mais adiante justificaria esta diferença de gênero.



Mas se a ideia de que mulheres são naturalmente capazes de realizar multitarefas é um mito, por que seguimos acreditando nisso e perpetuando este estereótipo? Por que ainda consideramos natural que as mulheres vivam suas vidas equilibrando vários “pratinhos” ao mesmo tempo?


Na minha opinião, estamos lidando com um viés de confirmação. A verdade é que seria conveniente para cultura atual, considerar que existe um argumento lógico para embasar aquilo que representa uma crença, a ideia antiga de que as mulheres seriam naturalmente mais capazes de lidar com múltiplas tarefas ao mesmo tempo. Dessa forma, em nosso cotidiano, este mito acaba sendo usado para fomentar um estereótipo feminino antigo e reforça nossa própria crença como sociedade.


O problema é que esta perspectiva acaba gerando cobranças cada vez maiores sobre as mulheres que ainda hoje se questionam a respeito do que devem fazer para dar conta de tudo que precisam.


Em uma sociedade com expectativas cada vez maiores, ser mulher fica mais difícil a cada dia. O mito da perfeição se desenha, mais ou menos, da seguinte forma: Há um tipo de corpo saudável e desejável; uma apresentação (cabelos, unhas, maquiagem, roupas, etc) que deve ser seguida; um certo conjunto de atitudes e “selos” que irão configurar uma carreira de sucesso e, é claro, não podemos deixar de lado a maternidade, papel que ainda hoje é colocado às mulheres de forma compulsória.


Você deve ser uma boa parceira, mãe, amiga, profissional, filha e _______________.

Preencha o espaço com a cobrança que você quiser! Se você se identifica com o gênero feminino, certamente haverá outras tantas.


Neste contexto, ao tentar dar conta de tudo e se esforçar para atender as expectativas externas que foram criadas para as mulheres, o mais provável é que a grande maioria sinta que não está desempenhando bem o seu papel. Você se identifica?


Talvez você sinta que performa bem profissionalmente, mas falha pessoalmente, ou o contrário. Ou sinta que faz tudo de um jeito mais ou menos. O fenômeno da carga mental, tão conhecido hoje em dia, nos mostra que, mesmo para camadas privilegiadas que podem terceirizar parte de suas tarefas, a pressão e a cobrança podem continuar acompanhando as mulheres que comumente sentem-se divididas entre todas essas funções.


De mãos dadas com a culpa, uma velha conhecida, a frustração é inevitável e com ela a sensação de estar sempre aquém daquilo que é esperado pela sociedade. Se esforçar para ser esta figura feminina fantasiosa, que dá conta de tudo e ao mesmo tempo não “perde o rebolado”, não é nada saudável. Estamos falando de perseguir uma meta impossível e é claro que, ao longo do tempo, isso nos coloca em contato com respostas emocionais negativas importantes, que cronicamente podem acarretar em impactos cada vez mais graves para saúde mental das mulheres.


Recentemente o estudo da *FIA Employee Experience (FEEx) mostrou que no Brasil as mulheres e as pessoas não-binárias são mais suscetíveis à carga mental e ao Burnout, algo coerente com outros estudos que já mostraram também maiores incidências de depressão e ansiedade neste grupo. Sabendo disso, devemos abrir os olhos para esta cobrança social exagerada que sofrem as mulheres e admitir que os prejuízos causados por esta expectativa podem ser maiores do que o que imaginamos.


E se pudéssemos abrir mão de vez deste estereótipo? Abandonar as expectativas a respeito de que, como mulheres, podemos “dar conta de tudo”. E se nos abrirmos para ideia de que podemos ser multifacetadas e não multitarefas? Precisaremos priorizar melhor nossas atividades, afinal de contas, já compreendemos que é impossível dar conta de tudo ao mesmo tempo.


Se eu pudesse pensar em um caminho para trilhar esta mudança, baseado na minha própria experiência e conhecimento, eis o que sugeriria para as mulheres que se sentem presas neste modelo:


(1) Descubra o que é mais importante na sua vida HOJE. E aceite que isso pode mudar ao longo do tempo;

(2) Priorize atividades sinérgicas àquilo que é mais importante para você a cada momento;

(3) Lembre-se que o equilíbrio é algo dinâmico. Você pode dar mais atenção à família em um determinado momento e ao seu desenvolvimento ou trabalho no outro;

(4) Elimine da sua rotina tudo que drena sua energia e distrai você do seu caminho;

(5) Terceirize, divida, delegue, peça ajuda, tudo que for necessário, sem se achar pior ou menos competente por isso;

(6) Não se compare aos outros. Observe sua própria caminhada e comemore suas vitórias (todas);

(7) Tenha orgulho de sua trajetória e valorize suas habilidades.

A vida moderna nos permite muitos caminhos, mas a cultura, potencializada pelas redes sociais, nos faz acreditar que há uma fórmula mágica para a vida completa e perfeita, que existe um modelo ideal de mulher.


Toda mulher pode e deve se sentir reconhecida por aquilo que faz e permitir-se sonhar em alçar voos mais altos, se for esse o seu desejo. Mas fazer isso tentando ser aquilo que não é, ou criar expectativas irreais em torno dessas ambições tem sido um fator de grande estresse e sobrecarga para as mulheres.


Já passou da hora de abandonarmos o estereótipo da mulher multitarefas. Neste mês de março, eu desejo que as mulheres não sejam multitarefa, mas sim, que se orgulhem de suas próprias trajetórias, que sejam multifacetadas, ambiciosas, que tenham sim inúmeras habilidades e ocupem todos os espaços, mas que nada disso tenha que custar a sua saúde mental. E que sempre se lembrem de que o tempo é seu aliado e não inimigo.



*Link para o estudo: FIA Employee Experience (FEEx)



Nêmesis Neurociência Organizacional

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