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Ana Carolina Souza

Jacinda Arden e a liderança para qual não estamos preparados.

Nós não estamos prontos para os novos modelos de liderança. Ainda que do ponto de vista teórico, muito já tenha sido dito e ensinado, na prática o que vemos é que a realidade ainda é outra. Seria fácil criticar aqui a própria liderança e de forma unilateral julgar sua capacidade de fazer esta transição. Mas a verdade é que o lance é muito mais complexo do que se imagina.


Em meio a tantos discursos sobre inteligência emocional, vulnerabilidade, empatia e bem-estar, ver as discussões que um posicionamento como o da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, suscita é algo no mínimo curioso para uma estudiosa do comportamento humano como eu.


Recentemente, Jacinda Arden se posicionou publicamente, dizendo que renuncia ao cargo de primeira-ministra e que não irá pleitear a reeleição. Em seu discurso, explica que está ciente do que um cargo como este exige e que no momento não tem energia suficiente disponível para encarar este papel. É justamente aqui, na leitura deste comportamento, que observamos visões muitas vezes antagônicas e que os vieses inconscientes mais arraigados se manifestam.


Quando vejo este discurso, minha interpretação é a de uma liderança com grande inteligência emocional, que reconhece seus próprios limites, entende a responsabilidade de seus atos, o peso de suas escolhas, e se comunica de forma clara e transparente com o público. Em qualquer treinamento de liderança, certamente usaria este discurso como um caso de vulnerabilidade. Arriscaria ainda dizer que ao reconhecer seus limites, como líder, ela toma a melhor decisão para si e para o povo neozelandês que conta com seus serviços como primeira-ministra.


Ao mesmo tempo que meu olhar constrói essa visão, percebo que sob o olhar dos outros, as justificativas para este movimento por parte da primeira-ministra são diversas. "Falta a ela a energia que este tipo de liderança precisa"; "Ela já sabia que não tinha chances de ganhar a reeleição, por isso desistiu antes"; e até mesmo discussões a respeito de seu estado de saúde.

Não há como negar que muitas das críticas recebidas por Jacinda, não só nesse momento, mas outros tantos vividos durante seu mandato, são atravessadas pelas visões preconceituosas a respeito de uma mulher na posição de liderança. Além dessa questão de gênero, fiquei me questionando, por quê nos causa tanta estranheza este comportamento? Por que uma liderança não pode optar por deixar sua posição, seja pelo motivo que for?


Vale a pena ressaltar, que neste caso em particular, Jacinda Arden governou a Nova Zelândia pelos últimos 5 anos, tendo enfrentado dentre outros desafios, a pandemia de covid-19 e subsequente recessão. Ou seja, não faltou a ela trabalho neste período e dedicação.


Aqui talvez tenhamos que admitir que não é comum ver líderes sendo vulneráveis. Não temos repertório para este tipo de situação e por isso, nos causa tanta estranheza. Além do mais, esta atitude confronta diretamente o que pensamos a respeito da liderança, mesmo que não sejamos capazes de admitir em voz alta.


Para mim, o mais interessante aqui não é saber exatamente o motivo que levou a esta decisão, mas sim o fato de que muitos não receberam de forma natural o famoso exercício de vulnerabilidade que tanto se espera hoje da liderança. Seríamos nós hipócritas? Aqui estamos diante da clareza do gap que existe entre a teoria e a prática, e de um exemplo dos modelos culturais que ainda resistem quando se fala de liderança.


Esperamos, ainda lá no fundo, que a liderança tenha comportamentos e atitudes “fortes”, que seja resistente, exerça dominância e sem dúvida, que seja ambiciosa. Esperamos que tenham todas as respostas, nos cerquem de certezas e que assim, sigam firmes no poder. Bons líderes não se cansam, não erram e certamente não ficam doentes. Isto é para os fracos.


Contradizendo o que os estudos de inteligência emocional dizem, não queremos líderes com bom autoconhecimento, que tomam decisões mais eficientes com base no reconhecimento de suas próprias limitações. Queremos os líderes invencíveis. A fantasia da perfeição.


Será isso mesmo que queremos? Bom, eu acho que não. Apesar de tudo, queremos os líderes humanizados. Aqueles acolhedores, flexíveis, que dão espaço para crescermos, reconhecem nosso trabalho, defendem nossos interesses e que cuidam da nossa saúde. A gente só não aprendeu ainda, que eles precisam que façamos o mesmo, por eles. Líderes são pessoas, com desejos, ambições, limites e um enorme potencial de transformar o mundo, quando lhes estendemos as mãos.


Que tal usar este tipo de situação para observar seus próprios vieses e desconstruir padrões obsoletos que não servem mais?


A transformação é lenta, complexa e, do meu ponto de vista, encantadora. Minha sugestão é que a gente possa utilizar esses momentos para aprender mais, experimentar mais e julgar cada vez um pouco menos. Que venha a transformação cultural e os novos modelos de liderança, não sejam mais uma exceção! Sucesso para Jacinda, em todas as suas escolhas.




Ref: Por que Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, renunciou

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/19/por-que-jacinda-adern-primeira-ministra-da-nova-zelandia-renunciou.ghtml






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